terça-feira, 5 de novembro de 2013

Caravaggio – A VOCAÇÃO DE SÃO MATEUS

mateus
Ficha técnica:
Data: 1599 -1600
Técnica usada: óleo sobre tela
Dimensões: 340 cm × 322 cm
Localização: Igreja São Luís dos Franceses, Roma


Partindo Jesus dali, viu sentado na coletoria um homem chamado Mateus, e disse-lhe: Segue-me. E ele, levantando-se, o seguiu. (Mt. 9,9)

A Vocação de São Mateus, retrata o momento em que Mateus é convocado por Jesus para segui-lo. Ao receber a encomenda da tela que ornaria a capela Contarelli da igreja São Luís dos Franceses, o pintor também recebeu ordens para se basear nos versículos bíblicos. Trata-se de uma obra de grandes dimensões, em que o pintor combina um tema cristão com uma pintura de gênero (pintura que mostra uma cena da vida diária).
Caravaggio procurou seguir as instruções recebidas, mas sem abrir mão de sua visão realista. Tanto é que ambientou a cena em que Jesus faz o chamado a Mateus num local bem conhecido à época, chamado telônio (Aurélio: Agência onde se fazia o câmbio de moedas entre os judeus, no tempo de Cristo.). Mas, ao pintar o quadro, tornou o local bem parecido com uma taverna. Há fontes que dizem se tratar realmente de uma taverna romana, levando em conta a maneira como o pintor arruma as figuras.
A composição é realizada em torno de dois planos paralelos, sendo que o superior é ocupado por uma janela coberta com um oleado (muito usado antes do uso universal do vidro), e o inferior apresenta a cena propriamente dita, na qual Jesus chama Mateus para a evangelização. A posição dos pés de Jesus e de São Pedro é indicativa de que eles já se encontram em direção à saída. A composição é formada por dois grupos de personagens:
 1º grupo – encontra-se à direita. É composto por Cristo (apenas sua cabeça, a mão direita e os pés são visíveis) e São Pedro que se encontram de pé. Os dois representam a Igreja.
2º grupo – posiciona-se à esquerda. Sentados em torno de uma mesa rude encontram-se cinco elementos, incluindo Mateus, de barbas e com barrete. O grupo representa o mundo terreno.
A composição está dividida em duas partes. Os valores permanentes e corretos formam um retângulo vertical (primeiro grupo), e aqueles temporários e mundanos, reunidos em torno da mesa, formam um retângulo horizontal (segundo grupo). Existe um espaço vazio entre os dois grupos, como a diferenciar os dois mundos: o terreno e o espiritual. É a mão de Cristo que, graciosamente, faz a ligação entre eles, numa forte simbologia. 
Os cinco indivíduos, posicionados ao redor da mesa, apresentam idades variadas. Mateus parece ser a figura mais importante do grupo de amigos. Encontra-se elegantemente vestido, traje que condiz com a sua posição de arrecadador de impostos. Seus amigos também estão bem vestidos, de acordo com a época do pintor, e parecem desfrutar de uma situação privilegiada. Usam tecidos brilhantes e luxuosos, contrastando com a simplicidade das vestes de Jesus e de São Pedro, ambos descalços.
Embora Mateus seja a figura principal da composição, presente no segundo grupo, o olhar do observador é puxado para as figuras de Cristo e Pedro, pela intensidade da luz que cobre o rosto do Mestre e se alastra pelas costas de seu discípulo, emanada deles próprios. A divindade de Jesus é reforçada pelo halo sobre sua cabeça, que tem uma parte absorvida por outra fonte de luz.
O corpo do Mestre é ofuscado pelo de seu apóstolo Pedro que se encontra à sua esquerda. Apenas seu rosto e a mão que aponta para Mateus estão iluminados. O facho de luz, acima de ambos, parece uma seta a indicar o coletor e futuro discípulo.
Um facho de luz, entrando pela parte superior do lado direito, foca Mateus e seu grupo com intensidade, como se quisesse mostrar que ali está o escolhido pelo Mestre. Mateus aponta para si, surpreso com o convite, pois sua única preocupação era coletar os impostos. Dois de seus amigos voltam-se curiosos para Jesus e São Pedro, enquanto os outros dois continuam entretidos na contagem do dinheiro e nem percebem a presença de Cristo e de seu apóstolo.
A iluminação é irreal nesta composição. A luz é o elemento responsável por divinizar a cena, ao lado da auréola sobre a cabeça do Mestre. Sem ela, a composição perderia todo o seu caráter religioso. Também evidencia o gesto de Jesus, que aponta o seu dedo para Mateus. A luz que ilumina a cena não vem da janela, mas de um ponto fora do quadro.
O pintor barroco dispõe a cena do minimamente necessário, pois o que importa para ele são os personagens. O mais jovem do grupo, com o braço direito sobre Mateus, como se buscasse a sua proteção, usa um luxuoso traje e chapéu de plumas, (trata-se de Mario Minitti, amigo do pintor, já visto em outras telas). O outro personagem, que se encontra à sua frente, parece mais velho e mais intrépido. Encontra-se armado com uma espada e se apresenta meio ameaçador, virando-se  para  São Pedro e Jesus.
Curiosidades
  • Dentre os personagens, São Mateus foi sempre tido como o homem de barba que aponta para si, como se questionasse sobre ser ele ou não o indicado por Cristo. O seu gesto é traduzido como se ele perguntasse: “Quem, eu?” Uma interpretação mais atual sugere que o homem barbado, na verdade, aponta para o jovem que se encontra de cabeça baixa, imerso na contagem do dinheiro, de modo que a pergunta do homem de barba seria: “Ele?” Outros críticos de arte acham que Caravaggio, deliberadamente, deixou a composição ambígua, cabendo ao observador a escolha.
  • Levi era o nome de São Mateus, antes de ele se tornar um apóstolo de Cristo.
  • A luz é muito bem manipulada pelo pintor: a janela visível coberta com oleado, muito provavelmente para fornecer luz difusa ao estúdio do pintor; a luz superior, para iluminar o rosto de São Mateus e do grupo sentado; e a luz por trás de Cristo e de São Pedro, introduzida apenas com eles. Pode ser que esta terceira fonte de luz é pretendida como milagrosa. Caso contrário, por que São Pedro não lançou sombra sobre o jovem defensivo à sua frente?
  • Caravaggio compôs esta tela com cores vivas, usando contrastes ousados de vermelhos, dourados e verdes e texturas diferentes de veludo e pele macia. Ele também contrasta gestos e expressões.



Um comentário:

  1. Caravaggio é um daqueles artistas, como Wagner, cujas faltas morais preferimos esquecer para não diminuir nossa admiração pela arte excelsa que criaram.

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