Entrevista feita a Dom Lefebvre em Ecône, dia 2 de agosto de 1976
e publicada no Figaro dia 4 do mesmo
mês.
Dom
Marcel Lefebvre, não estará o senhor à beira de um cisma?
Esta
é a pergunta que a si próprios fazem muitos católicos após saberem das últimas
sanções tomadas por Roma contra nós. Na maioria dos casos, os católicos definem
ou imaginam o Cisma como uma ruptura com o Papa. Não levam além sua indagação.
Se o senhor vai romper com o Papa ou se o Papa vai romper com o senhor, temos
pois um Cisma.
Porque
romper com o Papa constitui um Cisma? Porque, onde está o Papa está a Igreja
Católica. Logo seria apartar-se da Igreja Católica. Ora, a Igreja Católica é
uma realidade mística que existe não apenas no espaço, sobre a superfície da
terra, mas também no tempo e na eternidade. Para que o Papa represente a Igreja
e seja dela a imagem, é preciso que esteja unido a ela tanto no espaço como no
tempo já que a Igreja é uma Tradição viva na sua essência. Na medida em que o
Papa se afastar dessa Tradição estará se tornando cismático, terá rompido com a
Igreja. Teólogos como São Belarmino, Caetano, o cardeal Journet e muitos outros
estudaram essa eventualidade. Não se trata, pois, de uma coisa inconcebível.
Quanto
a nós, é o Concílio Vaticano II, suas reformas, suas orientações oficiais que
nos preocupam, mais do que a atitude pessoal do Papa, mais difícil de ser
perscrutada.
Este
Concílio representa, tanto aos olhos das autoridades romanas quanto aos nossos,
uma nova Igreja que, aliás, eles próprios chamam de Igreja Conciliar.
Cremos
poder afirmar, atendo-nos à crítica interna e externa do Vaticano II, isto é,
analisando os textos e estudando seus antecedentes e suas consequências que
este Concílio, virando as costas para a Tradição e rompendo com o passado da
Igreja, é cismático. Julga-se a árvore pelos frutos. A imprensa mundial,
americana e europeia, já reconhece que este Concílio está arruinando a Igreja
Católica a tal ponto que mesmo os ateus e os governos laicos começam a se
inquietar.
Um
pacto de não-agressão foi firmado entre a Igreja e a maçonaria. É o que está
mascarado pelas palavras "aggiornamento", "abertura para o
mundo" ou "ecumenismo".
A
Igreja aceitaria doravante não ser mais a única religião verdadeira, a única
via para a salvação eterna. Ela reconheceria como religiões-irmãs as outras
religiões. Reconheceria como um direito concedido pela natureza da pessoa
humana que esta pessoa é livre de escolher sua religião e que, portanto, a
existência de um Estado católico seria inadmissível.
Se
admitirmos este novo princípio, temos que mudar toda a doutrina da Igreja, seu
culto, seu sacerdócio, suas instituições. Pois tudo, até então, na Igreja,
manifestava que Ela era a única a possuir a Verdade, o Caminho e a Vida em
Nosso Senhor Jesus Cristo que ela, a Igreja, é a única a deter em pessoa, na
Santa Eucaristia, onde, Ele está presente, graças à continuação de seu
Sacrifício. Logo é uma inversão total da Tradição e do ensino da Igreja que
está se operando, depois do Concílio e pelo Concílio.
Todos
aqueles que cooperam nesta reviravolta de valores aceitam e aderem a essa nova
Igreja Conciliar – como o próprio Dom Benelli a designa na carta que me dirigiu
em nome do Santo Padre em 25 de junho último – e entram no cisma.
O
fato de terem sido adotadas no Concílio teses liberais só pode acontecer num
concílio pastoral, não infalível e não pode ser explicado sem uma minuciosa e
secreta preparação que os historiadores, no futuro, um dia descobrirão, para
grande estupefação dos católicos que confundem a Igreja Católica, Romana,
Eterna com a Roma humana e susceptível de ser invadida por inimigos vestidos de
púrpura.
Como
poderíamos nós, por obediência servil e cega, fazer o jogo desses cismáticos
que nos pedem colaboração para seus empreendimentos de destruição da Igreja?
A
autoridade legada por Nosso Senhor ao Papa, aos bispos e ao sacerdócio em geral
está a serviço da fé na Sua divindade e da transmissão de Sua própria vida
divina. Todas as instituições divinas ou eclesiásticas estão destinadas a esse
fim. O direito e as leis não têm outra finalidade. Servir-se do direito, das
instituições e da autoridade para aniquilar a fé católica e impedir que a vida
seja comunicada é uma espécie de aborto ou de contraconcepção espiritual. Quem
ousará dizer que um católico verdadeiramente digno desse nome, pode cooperar
com tal crime pior do que o aborto corporal?»
«Eis
porque estamos prontos e submissos para aceitar tudo o que for conforme à nossa
fé católica, tal como foi ensinada durante dois mil anos mas recusamos tudo o
que lhe é contrário.
Já
ouvimos a objeção: "Então cabe a nós julgarmos a fé católica?"
Mas não será dever de um católico julgar entre a fé que lhe ensinam hoje e a
que foi ensinada e crida durante vinte séculos e que está escrita nos
catecismos oficiais como o do Concílio de Trento, o de São Pio X e em todos os
catecismos antes do Vaticano II? Como foi que agiram os verdadeiros fiéis
diante das heresias? Preferiram dar o sangue a trair sua fé.
Que
a heresia venha pelos mais altos dignitários, isso não altera o problema quanto
à salvação de nossa alma. Sobre isso há uma ignorância grave entre os católicos
quanto à natureza e extensão da infalibilidade do Papa. Muitos pensam que toda
palavra saída da boca do Papa é infalível.
Por
outro lado, parece-nos muito mais certo que a fé ensinada pela Igreja durante
20 séculos não pode conter erros do que seja certo que o Papa é verdadeiramente
Papa. A heresia, o cisma, a excomunhão "ipso facto", a invalidade da
eleição, tudo isso são causas eventuais que podem fazer com que um Papa não
tenha sido jamais Papa ou não mais o seja. Nesse caso, evidentemente
excepcional, a Igreja se encontraria numa situação semelhante àquela em que ela
se acha quando morre um Soberano Pontífice.
Um
grave problema, diante da consciência e da fé de todos os católicos desde o
começo do pontificado de Paulo VI. Como é possível que um Papa, verdadeiro
sucessor de Pedro, socorrido pela assistência do Espírito Santo, possa presidir
a destruição da Igreja, a mais profunda e extensa da história dela, em tão
pouco tempo e de um modo que nenhum heresiarca jamais conseguiu?
A
essa pergunta será preciso responder um dia. Mas embora deixando o problema aos
teólogos e aos historiadores somos constrangidos pela realidade a responder
praticamente, seguindo o conselho de São Vicente de Lérins: "O que
deverá fazer o cristão católico se alguma parcela da Igreja venha a se desligar
da comunhão da fé universal? Que outro partido tomar senão preferir ao membro
gangrenado e corrompido, a parte sã do organismo? E se um contágio ou uma
epidemia arrisca envenenar não somente uma pequena parcela da Igreja mas ao
mesmo tempo toda Igreja, então, o maior zelo deverá ser o de se unir à
antiguidade que evidentemente não pode mais ser seduzida por nenhuma novidade
falsificadora".
Estamos
pois decididos a continuar nossa obra de restauração do sacerdócio católico
aconteça o que acontecer, persuadidos de que não podemos prestar melhor serviço
à Igreja, ao Papa, aos bispos e aos fiéis.
Deixem-nos
fazer a experiência da Tradição!
Marcel
Lefebvre
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