sábado, 15 de junho de 2013

Carta ao Episcopado Brasileiro - Sobre o modo como se deve prover à reta formação do clero.



SACRA CONGREGATIO DE SEMINARIIS
ET STUDIORUM UNIVERSITATIBUS
EPISTULA
AD EMOS. PP. DD. CARDINALES ATQUE
EXCMOS. PP. ARCHIEPISCOPOS, EPISCOPOS
CETEROSQUE ORDINARIOS BRASILIAE:
DE RECTA CLERICORUM INSTITUTIONE
RITE PROVEHENDA.
Acta Apostolicae Sedis
XLII (1950) 836-844:
_______

Sagrada Congregação dos Seminários
e das Universidades

Carta ao Episcopado Brasileiro

Sobre o modo como se deve prover
à reta formação do clero

(7-III-1950)

Eminentíssimos Senhores Cardeais, 
Excelentíssimos Senhores Arcebispos, Bispos e demais Ordinários do Brasil.

Esta Sagrada Congregação, que acompanha atentamente, como é seu dever, o andamento dos Seminários, onde crescem tantos jovens levitas, promissora esperança da Igreja, está bem informada dos progressos conseguidos em a nobre terra do Brasil, visando a obter uma ótima formação do clero, e congratula-se, por isso, com os Excelentíssimos Senhores Bispos. O Primeiro Congresso Nacional de Vocações Sacerdotais, realizado recentemente na Sé Primacial de Salvador, no Estado da Bahia; os esforços que se fazem para aumentar o numero das vocações sacerdotais, até agora, muito inferior ao que convém para satisfazer às necessidades de uma grande nação católica; o número crescente dos jovens escolhidos que são enviados a Roma, a fim de concluírem no Pontifício Colégio Pio Brasileiro a própria formação intelectual e moral ao sacerdócio: todos estes frutos do zelo dos Excelentíssimos Senhores Bispos, e de seus dedicados colaboradores, trazem-nos muita consolação, e são dons preciosos do Pai Celeste. A Ele, glória e gratidão.

Importância da ciência.
Sabemos também, particularmente, com quanto cuidado se procura, nos Seminários Maiores, aperfeiçoar os estudos e adaptá-los às necessidades do nosso tempo. É, de fato, necessário que o sacerdote esteja preparado para apresentar a doutrina exata, segura e tradicional sob a forma que melhor iluminará as inteligências e conquistará os corações.
Por isso, deve-se, primeiro, aperfeiçoar sempre a arte de escrever e de falar, cujos princípios foram aprendidos durante os estudos clássicos. Cumpre, depois, conhecer os erros modernos, considerando e refutando [836/837] clara e solidamente os princípios que são a fonte dos vários sistemas de hoje e de amanhã. E, finalmente, é preciso prestar especial atenção àqueles problemas tanto especulativos como práticos que estão na ordem do dia e dos quais o sacerdote deve saber a solução conforme à Revelação e à reta razão. “Labia sacerdotis custodient scientiam” [“Os lábios do sacerdote guardam a ciência”]. Não deixemos que nos arrebatem das mãos a direção intelectual dos homens, quando se trata dos máximos problemas que interessam à integridade da fé e à salvação eterna das almas.
O acordo, porém, destes dois fins, isto é, ensinar uma doutrina sólida, tradicional, esclarecedora, e ao mesmo tempo apresentá-la de maneira adequada às necessidades atuais, não deixa de ter particulares dificuldades; tanto assim que, muitas vezes, o justo equilíbrio deixa de ser observado, e vai-se cair, ou num ensino exato, mas incompleto e encerrado em formas arcaicas que o tornam dificilmente utilizável nas lutas de hoje, ou, por outro lado, em novidades que agradam deveras, de algum modo, à juventude, mas que corrompem a doutrina e impedem a verdadeira formação da inteligência.
Dever da Sagrada Congregação.
Por isso, esta Sagrada Congregação julga seu dever recordar a todos quantos são responsáveis pelo bom andamento dos Seminários “opportune, importune” [oportunamente e inoportunamente], as normas ditadas pela sabedoria dos séculos e pelas experiências cotidianas, para a obtenção de uma cultura sólida e atualizada ao mesmo tempo, consoante aquilo do pai de família que dá aos seu filhos “nova et vetera” [coisas antigas e coisas novas].
Todavia, dado que o perigo mais urgente hoje não é o de um apego demasiado rígido e exclusivo à tradição, mas principalmente o de um gosto exagerado e pouco prudente por toda e qualquer novidade que apareça, cremos de utilidade chamar a atenção dos Excelentíssimos Senhores Bispos para este grave perigo que tornaria vãos os melhores esforços e, ainda mais, produziria efeitos completamente opostos àqueles que se procuram conseguir com tanto sacrifício de pessoas e dispêndio de recursos materiais.
* * *
Deve-se seguir Santo Tomás.
Quando o Papa Leão XIII, de gloriosa memória, quis restituir a solidez e a profundidade que convêm ao ensino eclesiástico, então incerto e superficial em muitos lugares, pediu e impôs com a Encíclica Aeterni Patris a volta à Filosofia de Santo Tomás de Aquino, através do qual a razão alcançou talvez os mais elevados cumes que lhe sejam possíveis, e a fé encontrou na razão os mais numerosos e válidos auxílios (Leonis XIII, Acta, vol. I, Romae 1881, p. 27). Exortava ele: “Vos omnes, [837/838] Venerabiles Fratres, quam enixe hortamur ut ad catholicae fidei tutelam et decus, ad societatis bonum, ad scientiarum omnium incrementum auream sancti Thomae sapientiam restituatis”. E acrescentava: “Ceterum, doctrinam Thomae Aquinatis studeant magistri, a Vobis intelligenter lecti, in discipulorum animos insinuare; eiusque prae ceteris soliditatem atque excellentiam in perspicuo ponant”. (Ibid., pp. 282-283). [“Nós vos exortamos, Veneráveis Irmãos, da maneira mais premente, e isto para a defesa e honra da fé católica, para o bem da sociedade e para o progresso de todas as ciências, a restaurar e propagar o máximo possível a preciosa doutrina de Santo Tomás”...“Ademais, que os mestres, designados por Vossa escolha esclarecida, se apliquem a inculcar no espírito de seus discípulos a doutrina de Santo Tomás de Aquino, e que eles tenham o cuidado de fazer ressaltar o quanto esta é superior a todas as outras em solidez e excelência”.]
De fato, obedecendo às normas do grande Pontífice, a filosofia e a teologia católica recomeçaram a florescer, a produzir obras de grande valor, e conquistaram a estima das Universidades dos Estados, que não raro inseriram Santo Tomás nos seus programas. Os sucessores de Leão XIII têm todos recomendado a doutrina do Aquinate. O Santo Padre Pio XII, no primeiro ano de Seu Pontificado, reunindo no pátio de São Dâmaso os milhares de estudantes eclesiásticos que residem em Roma, disse-lhes: “Quapropter, dilectissimi filii, animum afferte plenum amoris et studii erga Sanctum Thomam : totis viribus incumbite ut luculentam eius doctrinam intellectu perspiciatis : quidquid ad eam manifesto pertinet et tuta ratione ut praecipuum in ea habetur, libenter amplectimini” (A.A.S., XXXI, 1939, p. 246 ss.). [“Doravante, meus diletíssimos filhos, trazei a vossos estudos uma alma repleta de amor ardente por Santo Tomás; fazei tudo o que estiver ao vosso alcance para penetrar com vossa inteligência na rica doutrina dele; acolhei com generosidade tudo o que dela manifestamente faz parte e constitui seus elementos principais”.]
O mesmo Código de Direito Canônico ordena: “Philosophiae traditionalis ac theologiae studia et alumnorum in his disciplinis institutionem professores omnino pertractent ad Angelici Doctoris rationem, doctrinam et principia, eaque sancte teneant”. (can. 1366 § 2). [“Que os professores tratem totalmente seus estudos de filosofia tradicional e de teologia e a instrução dos alunos nestas disciplinas segundo o método, a doutrina e os princípios do Doutor Angélico, e adotem a estes religiosamente.”]
Não se pode, portanto, duvidar do pensamento e da vontade da Santa Igreja; e, sem dúvida, entre os que devem especialmente demonstrar a própria submissão à Igreja, estão precisamente os clérigos que se formam para o Seu serviço e os professores aos quais Ela confiou a educação dos seminaristas.
Método escolástico.
Consequentemente, não se deve mudar o método de ensino — queremos dizer o método escolástico —, que é antigo, sim, mas não é antiquado. Definir com exatidão e precisão; dividir as questões; demonstrar com ordem, clareza e solidez; citar as autoridades com fidelidade e sobriedade; refutar os adversários sem ambiguidades: estes são os ideais de exposição escolástica, e devem ser os de todo o ensino sério e formativo. Quanto aos princípios e à doutrina, seria uma grande temeridade abandonar as razões que o gênio dos Padres e dos Santos Doutores empregou para ilustrar e defender a fé, e que o gênio de Santo Tomás recolheu e apresentou com o máximo de vigor que possuem.
Se o professor tiver aprofundado a doutrina tradicional, e estiver entusiasmado por ela, também os discípulos haverão de saboreá-la, sem necessidade de irem beber em fontes envenenadas. Se, pelo contrário, o [838/839] professor, sob o pretexto de filosofia modernizada ou de teologia “viva”, procura ensinar com sentenças oratórias e com expressões peregrinas as novidades da moda do dia, deformará as inteligências e comprometerá o futuro da Igreja em todo o campo das influências de seus alunos.
Evitar certos erros.
Sobre o milagre. A graça. Pecado original.
É certamente ao “snobismo” das novidades que se deve o pulular de erros ocultos sob uma aparência de verdade e, mui frequentemente, com uma terminologia pretensiosa e obscura; que se quer fazer apologética sem falar do milagre, nem refutar os erros, apresentando unicamente a vida íntima da Igreja; que se exalta a grandeza do homem, deixando na sombra o pecado original e as suas consequências; que se contempla a glória da Ressurreição do Redentor sem meditar sobre a Sua Paixão; que se magnifica a onipotência da graça, sem falar da necessidade da cooperação por parte do homem.
Criação do homem.
O grande progresso das ciências naturais, que deveria servir tão somente para exaltar a sabedoria do Criador e melhorar a condição dos homens, foi, ao contrário, para alguns, a ocasião de teorias arriscadas, destituídas de sólido fundamento, que abalam as inteligências inexperientes e desacauteladas. Em particular, fala-se da origem do homem, fazendo-o provir, sem mais, do bruto, não levando em conta as exigências mais certas da filosofia e da teologia, exigências, porém, relembradas pelo Santo Padre, no discurso que pronunciou há poucos anos, diante da Academia Pontifícia de Ciências (A.A.S. XXVIII, 1941, p. 506); põe-se em dúvida a descendência de todos os homens de Adão e Eva, deixando, por tal forma, cair dúvidas também sobre a elevação sobrenatural do homem, sobre o pecado original e sua transmissão; ou, caindo no excesso oposto, propaga-se um certo sobrenaturalismo que despreza tudo aquilo de que o Senhor nos dotou com a nossa natureza: a ética racional, a filosofia propriamente dita e o próprio direito natural que o Soberano Pontífice reafirmou, recentemente, ao receber os componentes da Sagrada Rota Romana. Outros, favorecendo as diversas formas do relativismo, expressam-se de modo a pôr em perigo a imutabilidade do dogma. Quem não vê a urgência de proteger contra semelhantes tendências os jovens clérigos, ainda incapazes de discernir por si mesmos os erros escondidos sob as aparências de puro zelo e sob véu de uma forma brilhante?
Liturgismo. Eucaristia. Oração.
Perigos semelhantes existem no campo da vida espiritual. Em Sua Encíclica Mediator Dei, cheia de tanta doutrina, o Santo Padre Pio XII assinalou e desaprovou certos abusos, que alguns estavam introduzindo, sob pretexto de uma Liturgia mais pura. Assim, falava-se contra a adoração do Santíssimo Sacramento, que, diziam, se conservava somente para o viático a ser levado aos doentes; falava-se contra a ação de graças [839/840] prolongada por algum tempo depois da Comunhão e da Santa Missa; falava-se contra a Bênção Eucarística, tida por inovação irracional. Alguns iam mais longe, reprovando a representação de Jesus Crucificado, por ser menos conforme às suas concepções sobre a vida mística; outros não admitiam senão a oração litúrgica e desprezavam a meditação particular, os Exercícios Espirituais, os exames de consciência. Erros esses todos, opostos à tradição mais sadia e constantemente aprovada pela Santa Sé, e que também depois da Encíclica, não parece tenham desaparecido inteiramente, muito embora hajam sido aberta e explicitamente atingidos por aquele documento. Relembremos apenas esta sentença, na qual Pio XII enumera alguns dos exercícios de piedade que a Igreja recomenda não só ao Clero e aos Religiosos, mas também ao povo católico: “Haec autem sunt, ut praecipua tantum attingamus, spiritualium rerum meditatio, diligens sui ipsius recognitio ac censura, sacri secessus aeternis commentandis rebus instituti, piae ad Eucharistica tabernacula salutationes ac peculiares illae preces supplicationesque in honorem Beatae Virginis Mariae habitae, in quibus, ut omnes norunt, Mariale excellit Rosarium” (A.A.S., XXXIX, 1947, p. 584). [“São eles, para falar apenas dos principais: a meditação das coisas espirituais; o diligente exame de consciência, para melhor conhecer a si mesmo; os retiros espirituais, instituídos para reflexão mais intensa nas verdades eternas; as fervorosas visitas ao Santíssimo Sacramento e orações ou súplicas especiais em honra da Santíssima Virgem Maria, entre as quais excele, como todos sabem, o Rosário.”]
É natural que, logo a seguir, as ideias erradas manifestem o seu perigoso influxo na atividade pastoral. O espírito de novidade não deixará jamais sem crítica a nada de quanto até hoje, mesmo com visíveis vantagens, se tenha praticado. Aproveitar-se-á de qualquer abuso, ou ainda de algum exagero num costume tradicional ou num método de apostolado, para ridicularizar e hostilizar o todo, tomado no seu conjunto.
Laicismo.
Entre os mais graves erros dos tempos modernos, deve-se enumerar o laicismo, que mira excluir a Igreja e os seus mais altos representantes da direção da vida pública e social, reservando-a unicamente aos leigos. Excogitado pelos inimigos da Igreja, o laicismo difundiu o seu espírito também entre os católicos, os quais veem constrangidos a intervenção da Hierarquia Eclesiástica na vida concreta dos povos e relegariam, de muito boa vontade, a atividade dos sacerdotes às igrejas e às sacristias. Desejariam, também, que o ensinamento evangélico se atuasse por via de máximas genéricas, sem jamais descer às aplicações específicas práticas da verdade cristã acerca dos vivos problemas da família, da escola, da justiça social, da paz internacional e da própria liberdade pessoal do homem.
Um verdadeiro cristão, sem confundir os interesses espirituais com os temporais, saberá porém pedir, em todas as questões que tocam à consciência, ou que podem ter interferência com o fim último sobrenatural do homem, os conselhos e a ajuda da Igreja, persuadido de que [840/841] esta, se lhe mandar dar a Deus o que é de Deus, igualmente ensinará a dar a César o que é de César.
Daqui, aparece evidente quanto estejam errados aqueles para os quais a própria Ação Católica, que por essência é submetida à Hierarquia, dever-se-ia subtrair o mais possível ao controle da mesma.
Liberalismo.
Um outro erro, igualmente condenado pela Igreja, deve ser evitado pelo cristão: o Liberalismo. Ele nega que a Igreja, em razão do seu nobilíssimo fim e da sua divina missão, tenha uma natural supremacia a respeito do Estado. Admite e encoraja a separação entre os dois poderes. Nega à Igreja Católica o poder indireto sobre as matérias mistas. Afirma que o Estado deve mostrar-se indiferente em matéria religiosa, no que respeita a todos os fiéis; que se deve conceder a mesma liberdade à verdade e ao erro; que à Igreja não cabem privilégios e favores ou direitos maiores do que os concedidos às demais confissões religiosas, nem sequer nos países católicos; que a Ação Católica não tem direito de intervir nas questões temporais e civis, nem mesmo quando estas tocam os interesses supremos da religião e as finalidades próprias da Igreja. Ora deve-se ter presente, hoje como no passado, que, onde as circunstâncias o aconselharem, se poderá usar de tolerância para com as falsas religiões e as falsas doutrinas, mas que onde tais circunstâncias não se verificam, devem ser mantidos os direitos da verdade e os homens devem ser preservados do erro. O cristão que fala diversamente trai a sua fé, dá força ao indiferentismo e priva os seus concidadãos do benefício que lhes oferece o culto e o amor da verdade.
Esquerdismo.
Para alguns, nem são suficientes, no campo social, as diretivas tão humanas, tão sabiamente favoráveis às classes trabalhadoras, que a Santa Sé, principalmente desde Leão XIII até Pio XII, tem promulgado, mas procurar-se-á avançar sempre mais para a esquerda, até nutrir uma verdadeira simpatia para com o comunismo bolchevista, destruidor da religião e de todo o verdadeiro bem da pessoa humana.
* * *
Vigilância.
A fim de que os caros seminaristas de V.V. Excias. sejam mantidos afastados de um espírito assim deletério, faz-se mister uma vigilância constante e sábia.
Muito, quase tudo, depende da boa escolha dos sacerdotes que devem viver em contato com os jovens levitas e formar neles, quer a inteligência, quer a vontade. Tão logo algum deles, Superior, Professor, Diretor Espiritual se manifeste contaminado pelo espírito que acima descrevemos, [841/842] deve ser afastado, com firmeza e solicitude. Semelhante medida parecerá, às vezes, tornar-se causa de consequências danosas, em virtude do afeto que, não poucas vezes, a juventude tem a esses inovadores; mas a experiência demonstra, ao invés, que os bons efeitos não tardam a aparecer, para o bem e a alegria de todos.
Necessidade de estudar a filosofia tradicional antes da teologia.
Se quisermos preservar os jovens da sedução das ideias menos seguras, o meio mais eficaz e mais digno deles consiste em ensinar-lhes uma boa e sã filosofia, isto é, a filosofia tradicional, segundo os princípios de Santo Tomás. Uma vez iluminados por verdadeiros e clarividentes princípios em metafísica e em moral, os clérigos verão, facilmente, a fraqueza e a inconsistência que tantas novidades ocultam sob as louçanias do estilo e sob a abundância de uma erudição mal digerida. Por tal forma, saberão resistir aos sistemas errôneos em voga, e hão de estar armados para enfrentar os novos erros que surgirão sempre, com o mesmo fascínio e inconsistência daqueles de hoje.
É preciso, portanto, que a primeira orientação filosófica dos jovens clérigos consista principalmente em fazer-lhes conhecer, entender e amar a verdadeira doutrina. Não haverá, por isso, tempo suficiente para estender-se muito sobre os sistemas modernos, mas poder-se-á fazer conhecer suficientemente os principais, em seus princípios mais gerais, de maneira que os estudantes possam depois aprofundá-los mais, se tiverem necessidade.
Uma boa filosofia constitui a melhor preparação para uma boa teologia. Os alunos devem conhecer bem o sentido exato dos dogmas, devem saber defendê-los e estar em condições de ilustrá-los, como diz o Concilio Vaticano, com as analogias tiradas das coisas criadas; guardem-se do relativismo proveniente da filosofia de Hegel, que foi condenado juntamente com o modernismo, e que fala de uma evolução dos dogmas, de um sentido a outro totalmente diverso.
Formação à virtude.
Não basta, porém, cultivar retamente a inteligência dos seminaristas; além do que, esta mesma cultura seria impossível, se não se procurasse formar primeiramente a vontade e o coração. De fato, o que se encontra no fundo dos desvios que indicamos é, principalmente, o amor próprio, a vaidade, o orgulho.
Quer-se aparecer, e por isto procura-se não o que é verdadeiro, mas aquilo que parecerá melhor recebido dos demais. É preciso, portanto, ir à raiz, e ensinar aos jovens o que há de formá-los: a humildade, a abnegação da vontade própria, a obediência. Alguns dizem que estas são virtudes “passivas”, que tiveram sua eficácia no passado, mas que não correspondem mais às exigências da sociedade moderna. Hoje, segundo [842/843] eles, devem exercitar-se as virtudes que denominam “ativas” (ação, apostolado, organização). São, por conseguinte, favoráveis às Ordens e Congregações de vida ativa e menosprezam as de vida contemplativa. Acrescentam que tanto os sacerdotes, como os simples fiéis, devem gozar da mais ampla liberdade individual, seja no pensamento como na ação, sendo o Espirito Santo, mais do que a Hierarquia, quem age diretamente na consciência de cada um.
Estes erros funestos, derivados dos influxos protestantes, levariam a uma total desagregação a admirável disciplina existente há séculos na Igreja de Cristo, por vontade mesma do Divino Fundador.
Grave responsabilidade.
Grave responsabilidade pesa sobre os Superiores e os Diretores Espirituais dos jovens clérigos, aos quais devem ensinar a viver segundo o Evangelho. O sacerdote de Nosso Senhor deve, por amor ao Divino Mestre e para imitá-Lo, renunciar de coração tanto às honrarias do mundo quanto às comodidades da vida. No estudo, na pregação, em qualquer apostolado não há de procurar a si próprio mas somente as almas. Ora, a renúncia de si mesmo, dos próprios modos de ver, do desejo de sobressair e fazer-se admirado, adquire-se tão só com a oração, com a meditação da vida de Jesus e das palavras por Ele proferidas para todas as gerações, com exercício paciente e controlado por frequentes exames de si mesmo. Sem a vitória neste setor do combate espiritual, não se chega à humildade cristã, necessária para submeter-se em tudo à vontade de Deus. Com a humildade, ao contrário, também a obediência torna-se fácil, e então desaparece o espírito de contradição, de crítica a todas as coisas, de revolta mais ou menos consciente às diretivas das Autoridades. Então, o primeiro movimento não será mais o de reprovar e censurar quanto se fez antes de nós, ou sem nós, e de querer mudar tudo, mas antes de reconhecer e utilizar, com ânimo agradecido, o bem que já existe, procurando somente, com modéstia, aperfeiçoá-lo naquilo que estiver ao nosso alcance.
Devoções à Santíssima Virgem, São José, aos Santos Patronos.
Então aparecem os sinais de uma boa formação clerical, sinais que são os seguintes: uma sólida piedade mantida pelos exercícios comuns e pelas devoções tradicionais ao Santíssimo Sacramento, à Sagrada Paixão, ao Sagrado Coração de Jesus, à Santíssima Virgem, a São José, aos Santos Patronos da juventude eclesiástica; — uma conduta regular e disciplinada; — um respeitoso afeto para com os Superiores, para com o próprio Bispo e toda a Hierarquia; — e, particularmente, um entranhado amor ao Vigário de Cristo, o Papa reinante, auxiliando-o com a oração, tomando parte às suas alegrias e às suas dores e seguindo com fervorosa fidelidade as Suas diretivas.
Eis, Excelentíssimos Senhores Bispos, uma ligeira síntese das ideias [843/844] que esta Sagrada Congregação, zelosa do bom andamento dos Seminários, apresenta a Vossas Excelências, a fim de que delas possam fazer o uso que a prudência sugerir, segundo as necessidades existentes nos próprios Seminários.
Unindo de tal forma todas as nossas forças, formar-se-á para a gloriosa Igreja do Brasil, aquela falange escolhida de sacerdotes, que as necessidades atuais exigem.
Com esta confortante visão e à luz do Ano Santo, sentimo-nos feliz de saudar, muito cordialmente, o Episcopado Brasileiro.
Roma, 7 de março de 1950, na festa de Santo Tomás de Aquino.
Subscrevemo-nos atenciosamente
de Vossas Eminências e Excelências Reverendíssimas
— servo devotíssimo em Jesus Cristo
✠ José Card. Pizzardo, Prefeito.
✝ Carlos Confalonieri, Secretário.

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PARA CITAR ESTA TRANSCRIÇÃO:
Sagrada Congregação dos Seminários e das UniversidadesCarta ao episcopado brasileiro: Sobre o modo como se deve prover à reta formação do clero, 7-III-1950, AAS 42 (1950) 836-844; transcrito, com o acréscimo da tradução das citações em latim, no blogue Acies Ordinatahttp://wp.me/pw2MJ-1Rf
[Cf. também: Revista Eclesiástica Brasileira 10 (1950), 471-477; Revista Española de Teología 11 (1951) 41-55.
O original deste documento é em português mesmo, exceto pelo cabeçalho: Sacra Congregatio de Seminariis et Studiorum UniversitatibusEpistula ad Exmos. PP. DD. Cardinales atque Exmos. Archiepiscopos, Episcopos ceterosque Ordinarios Brasiliae: De recta clericorum institutione rite provehenda, e pelos passos em latim citados no corpo do texto; sua tradução, entre colchetes, foi acrescentada pelo editor do blogue, em cotejo com a tradução francesa deste documento que se encontra em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/es/ce0.htm#bg].

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