Por Mons. Marcel Lefebvre
Um grande iluminado, o cônego Roca, viu há mais de um século os detalhes da tentativa de subversão da Igreja e do papado projetada pela seita maçônica. Mons. Rudolf Graber, em seu livro Atanásio, cita as obras de Roca (1830-1893), ordenado sacerdote em 1858, cônego honorário em 1896. Excomungado mais tarde, pregou a revolução e anunciou o advento da sinarquia. Fala a miúdo, em seus escritos, de uma “Igreja novamente iluminada”, que estaria influenciada pelo socialismo de Jesus e seus Apóstolos. “A nova Igreja, diz ele, que certamente não poderá guardar nada do ensino e da forma primitiva da Igreja antiga, receberá entretanto a bênção e a jurisdição canônica de Roma”. Roca anuncia também a reforma litúrgica: “O culto divino tal como rege a liturgia, o cerimonial, o ritual, as prescrições da Igreja romana, sofrerão uma transformação após um concílio ecumênico(...) que lhe devolverá a simplicidade respeitável da idade de ouro apostólica, segundo o novo estado de consciência da civilização moderna”.
Roca especifica os frutos deste concílio: “sairá dele algo que encherá o mundo de estupor e o porá de joelhos ante seu Redentor: a demonstração do perfeito acordo entre o idealismo da civilização moderna e o idealismo de Cristo e de seu Evangelho. Será a consagração da Nova Ordem Social e o solene batismo da civilização moderna”.
Ou seja: todos os valores dessa cultura liberal serão reconhecidos e canonizados logo após o concílio em questão.
Vejam também o que Roca escreve sobre o papa: “Prepara-se um sacrifício que apresentará uma penitência solene (...) O papado cairá, morrerá sob o punhal sagrado forjado pelos padres do último concílio. O César pontifical é a hóstia preparada para o sacrifício”. Devemos acreditar que tudo isto está para chegar, a não ser que Nosso Senhor o impeça! Por fim Roca fala dos novos sacerdotes que aparecerão, chamando-os de “progressistas”; fala da supressão da batina, do casamento de sacerdotes, entre outras profecias! Notem como Roca viu bem o papel determinante de um último concílio ecumênico na subversão da Igreja.
Mas não foram somente os inimigos da Igreja que assinalaram os transtornos que traria consigo um concílio ecumênico reunido em uma época em que as idéias liberais já tivessem penetrado profundamente na Igreja.
Conta o Pe. Dulac [1] que no consistório secreto de 23 de maio de 1923, o então Papa Pio XI interrogou os cardeais da Cúria sobre a oportunidade de convocar um concílio ecumênico. Eram cerca de trinta: Merry Del Val, de Lai, Gasparri, Boggiani, Billot, entre outros. Billot dizia: “Não podemos dissimular a existência de divergências profundas até mesmo dentro do episcopado... que podem dar lugar a discussões que se prolongariam indefinidamente”. Boggiani recordava as teorias modernistas, das quais dizia: parte do clero e dos bispos não está isenta. “Esta mentalidade pode inclinar certos padres a apresentar moções e introduzir métodos incompatíveis com as tradições católicas”. Billot é ainda mais preciso: manifesta seu temor de ver o concílio “manobrado” (sic) pelos “modernistas, os piores inimigos da Igreja, que já se preparam, como demonstram certos indícios, para introduzir a Revolução na Igreja, um novo 1789”.
Quando João XXIII retomou a idéia, já ventilada por Pio XII [2], de convocar um concílio ecumênico, “passou a ler os documentos durante uns passeios pelos jardins do Vaticano”, conta o Pe. Caprille [3]. Isto foi tudo, pois sua decisão já estava tomada. Em várias ocasiões afirmou que a decisão fora tomada sob uma inspiração repentina do Espírito Santo [4]. “Obedecendo a uma voz interior que consideramos vinda de um impulso superior, julgamos que era o momento oportuno para oferecer à Igreja Católica e a toda a família humana um novo concílio ecumênico” [5]. Essa “inspiração do Altíssimo”, essa “solicitação divina” como ele a chama, foi recebida no dia 25 de janeiro de 1959, enquanto se preparava para celebrar uma cerimônia na Basílica de São Paulo Extramuros, em Roma, e logo após a cerimônia a confiou aos 18 cardeais presentes. Mas foi esta inspiração verdadeiramente divina? Parece duvidoso; acho que sua origem foi totalmente diferente...
Em todo caso, uma reflexão de um velho amigo do Cardeal Roncalli, futuro João XXIII, é muito esclarecedora: com a notícia da morte de Pio XII, o velho Dom Lambert Beauduin, amigo de Roncalli, confiava ao Pe. Bouyer: “se elegerem Roncalli, tudo será salvo: ele será capaz de convocar um concílio e de consagrar o ecumenismo” [6]. Como mostra o Pe. Bonneterre, Dom Lambert Beauduin conhecia bem o Cardeal Roncalli, sabia desde 1958 que se Roncalli fosse eleito papa, realizaria o ecumenismo, e provavelmente o faria por meio de um concílio. Quem diz ecumenismo, diz liberdade religiosa e liberalismo. A revolução pela tiara e pluvial não foi uma improvisação.
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Notas
[1] Raymond Dulac, La Collégialité Épiscopale au Concile du Vatican, Paris, Cédre, 1979, pp. 9-10.
[2] Op. cit. p. 10; Frére Michel de la Sainte Trinité, Toute la Vérite sur Fátima, le 3e. Secret, pp. 182-199.
[3] Histoire de Vatican II. Cf. Dulac, op. cit. p. 11.
[4] Cf. “Jean XXIII et Vatican II, sous le feux de la Pentecôte Luciférienne”, in Le Régne Social de Marie, Fátima, janeiro-fevereiro de 1985, pp. 2-3.
[5] Bula Humanae Salutis.
[6] L. Bouyer, Dom Lambert Beauduin, un Homme d’Èglise, Casterman, 1964, pp. 180-181, cit. pelo Pe. Didier Boneterre em Le Mouvement Liturgique, Ed. Fideliter, 1980, p. 119.
Fonte
Mons. Marcel Lefebvre, Do Liberalismo à apostasia: a tragédia conciliar, Rio de Janeiro, ed. Permanência, 2013, pp. 153-155.
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