"...É um elenco tão vasto e tão admirável que hesitamos em destacar alguns dos episódios mais comoventes. não será injusto dar sequer a impressão de que queremos fixar um palmarès, um elenco de vencedores, quando em todas as páginas desse livro escrito com sangue brilham o heroísmo e a santidade? Padres, religiosos, religiosas, simples leigos, homens e mulheres, todas as condições sociais à mistura - mas certamente a maioria gente humilde, dente do povo -, foram às dezenas, às centenas, os que preferiam morrer a abjurar. Como escolher entre eles?
Vemos surgir, mais tarde tornadas ilustres pelo teatro e pelo cinema, as dezesseisCarmelitas de Compiègne, que morreram a 17 de julho de 1794, dez dias antes da queda de Robespierre. Presas por terem continuado a viver juntas após a supressão do seu convento, levadas perante o tribunal revolucionário, uma delas teve a presença de espírito bastante para perguntar a Fourquier-Tinville o que é que ele entendia pelo termo "fanatismo" com que as brindava. E que, tendo ele respondido: "O vosso fanatismo é a vossa tola paixão pelas estúpidas práticas religiosas", replicou: "Ó irmãs, ouviste bem? Somos condenadas pela nossa religião...Que felicidade morrer por nosso Deus!" Exatamente: com essas palavras, o acusador acabava de fazer mártires. Ao pé do cadafalso, elas renovaram os votos e entoaram o Veni Cretor, que só deixou de se ouvir quando a última foi morta...Página grandiosa, digna de ser exaltada, como foi, por Gertrud von le Fort e por Geoge Bernanos.
Mas terão sido menos sublimes essas sacramentinas de Bollène que, antes de morrer, agradeceram aos juízes e aos algozes, e uma das quais beijou o cadafalso antes de lá subir? Ou as ursulinas de Valenciennes, que cataram o Te Deum e rezaram pelos carrascos? Ou as Irmãs da Caridade de Arras, que chegaram à guilhotina cingidas nos Terços? E outras tantas que é impossível evocar sem emoção...
Entre os homens, quantos foram igualmente heroicos! Os beneditinos da Secção dos Gravilliers, que declararam com firmeza nunca terem deixado de celebrar a Missa clandestinamente... O padre Imbert, dominicano de Castres, que, condenado a morte, se recusou a subir à carroça, dizendo: "O meu Senhor Jesus ia a pé ao Calvário; reclamo para mim ir a pé"...Os recoletos e os carmelitas de Arras, que marcharam para o suplício cantando as Vésperas dos Defuntos...
No clero secular, as figuras exemplares são inúmeras. Aqui vemos o Cormaux, "o santo da Bretanha", que, no decurso do interrogatório, se recusa a dissimular a mínima parcela da verdade, fornecendo ele próprio argumentos aos acusadores... E van Cleemputte, que, se adianta a declarar que nunca deixou de fazer um apostolado clandestino... E Noel Pinot, que, conduzido para a morte, vestido de alva e casula por derrisão, recita ao pé do cadafalso o Introibo ad altare Dei da sua última Missa... E o encantador padre Salignac-Fénelon, fundador e diretor da Obra dos Padres Savonianos: condenado, ainda prega do alto da carroça que o leva ao suplício...
A lista seria interminável! E ainda teríamos de acrescentar dezenas de leigos que, com toda a evidência, morreram como testemunhas da Fé. Em Lyon, é o comerciante Auroze, que à pergunta "Es fanático?", responde: "Serei o que quiseres, mas o que sou é católico", e por isso foi condenado. Em Anjou, é um senhor chamado De Valfons, que, no início do interrogatório para identificação, acrescenta ao sobrenome os adjetivos "Católico, Apostólico, Romano"... Em Seine-et-Oise, é Marie Langlois, mocinha de vinte e dois anos, criada de lavoura, que, denunciada pelo pároco constitucional, troça visivelmente dos juízes e de suas perguntas ocas... Noutro lugar, é Elisabeth Minet, que reivindica altivamente a responsabilidade de uma enorme falta: durante todo o Terror, nunca deixou de distribuir estampas de Nossa Senhora...Alhures, é Geneviève Goyon, costureira de setenta e seis anos, que se recusa a entregar dois dominicanos que tem escondidos em sua casa, e morre com eles...
Já de há muito a História registrou a eficácia sobrenatural do martírio, o seu misterioso poder de resgate."
Daniel Rops, A Igreja das Revoluções (I). Quadrante, São Paulo, 2003, Pag. 70, 71.
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